Muita gente acredita que esse capítulo sombrio do Brasil já está enterrado. Mas não está. A memória ainda pulsa. E o cinema é uma das formas mais potentes de não deixar que a história seja esquecida — ou distorcida.
E tem filme que não apenas conta, mas grita.
O cinema consegue traduzir o medo de viver sob censura?
Sim. E faz isso com uma força que a palavra escrita muitas vezes não alcança.
A tela escurece e, de repente, estamos ali. Dentro da cela. Sentindo a respiração cortada, o barulho dos coturnos, o silêncio da tortura.
Filmes como Batismo de Sangue ou Pra Frente, Brasil não são só narrativas. São experiências sensoriais.
Você assiste e sente no corpo.
Quais filmes escancaram os bastidores da repressão?
Comecemos com dois pesos-pesados:
“O Que É Isso, Companheiro?” (1997) – Inspirado no livro de Fernando Gabeira, traz à tona o sequestro do embaixador dos EUA por um grupo de militantes. É adrenalina pura, mas também reflexão sobre o limite da luta armada.
“Zuzu Angel” (2006) – Um mergulho no luto e na resistência de uma mãe que ousou enfrentar o regime. É impossível sair ileso desse filme.
Esses filmes abrem a porta para entendermos a lógica brutal por trás do poder.
Existe espaço para o humor dentro de um tema tão pesado?
Incrivelmente, sim.
“Cabra Marcado para Morrer” (1984) tem momentos de leveza, mesmo tratando de um assassinato político. Já “Hércules 56” (2006) mistura depoimentos e ironia fina ao reconstituir um episódio absurdo: a troca de presos políticos por um embaixador sequestrado.
O humor aqui não é escárnio — é resistência.
E os filmes que mostram a vida comum durante o regime?
Esses são devastadores.
Porque mostram que o horror não estava só nos porões do DOI-CODI. Ele morava nas escolas, nas esquinas, no silêncio cúmplice das famílias.
“Hoje” (2011), com Denise Fraga, é um exemplo cruel e delicado.
Conta a história de uma ex-militante que recebe indenização do governo. Mas o passado bate à porta. Literalmente.
E aí, como seguir em frente?
Filmes documentais valem tanto quanto ficção?
Mais que válidos — são essenciais.
“Cidadão Boilesen” (2009), por exemplo, é um soco no estômago. Mostra como empresários financiaram a repressão. E ninguém sai limpo desse enredo.
Documentários rasgam o véu da história oficial.
Eles são o antidoto contra o esquecimento seletivo.
E onde está a voz dos oprimidos nesses filmes?
Está em cada segundo de “Torre das Donzelas” (2018).
Mulheres que foram presas políticas se reencontram na cela onde viveram o inferno. Riem, choram, se tocam. Um filme feito de carne e memória.
Essa é a Ditadura contada por quem resistiu — e sobreviveu para contar.
Existe algum filme que dialoga com o Brasil atual?
Assustadoramente, sim.
“Marighella” (2021) não é só uma biografia. É um aviso.
Wagner Moura não economiza. Mostra Carlos Marighella como símbolo da insubmissão. E o filme ecoa em tempos de ataques à democracia.
A sensação é: isso já aconteceu antes.
E pode acontecer de novo.
Qual filme pode mudar completamente a visão do espectador?
“O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” (2006).
Um menino abandonado pelos pais militantes em plena Copa de 1970.
O filme é sutil, quase doce. Mas carrega uma dor imensa.
Vemos a Ditadura pelos olhos de uma criança. E isso muda tudo.
Porque entender o passado é, antes de tudo, um ato de empatia.
Esses filmes são só para quem gosta de política?
Não. São para quem não quer viver no escuro.
Filmes sobre a Ditadura Militar não são só denúncia — são faro, urgência, alerta.
Eles nos dizem que a liberdade é frágil. E que a história não perdoa os que viram o rosto.
Assista. Sinta. Questione.
Antes que apaguem as luzes.
Onde assistir esses filmes hoje em dia?
A boa notícia é: muitos estão acessíveis.
Plataformas como Globoplay, Netflix, Amazon Prime Video e Looke têm diversos desses títulos em seu catálogo. Mas também vale garimpar em projetos públicos e universitários. O Canal Brasil, por exemplo, frequentemente exibe obras sobre a Ditadura.
Além disso, portais como a Cinemateca Brasileira e o Youtube (sim, Youtube!) contam com versões completas, entrevistas com diretores e até versões restauradas.
O que não falta é caminho.
Falta vontade?
Por que o cinema incomoda tanto quem tem medo da verdade?
Porque a arte mostra o que os discursos oficiais tentam esconder.
Um filme pode fazer mais pela memória de um país do que um relatório de mil páginas.
E é por isso que, em tempos de censura disfarçada, os filmes voltam a ser armas.
Eles não mentem. Não suavizam. Não recuam.
O que eu sinto ao assistir esses filmes?
Sinto raiva.
Sinto vergonha.
Sinto uma vontade imensa de gritar.
Mas também sinto orgulho. De quem resistiu. De quem filmou, mesmo com poucos recursos. De quem decidiu contar as histórias que muitos queriam enterrar.
Sinto, sobretudo, que ainda há muito o que aprender.
Qual é o meu convite para você?
Assista.
Assista com olhos abertos e coração disponível.
Assista com a coragem de quem quer entender o país em que vive.
Assista como quem lê um diário secreto de um povo silenciado.
E depois disso, fale.
Converse. Espalhe. Indique.
Faça desses filmes o ponto de partida de algo maior:
uma consciência que não se apaga.